domingo, 6 de outubro de 2013

Obaa-chan Kinue Hagy

 

Obaatchan Kinue Harada

Seria uma injustiça imperdoável falar do clã Hagy sem mencionar obaa-chan (おばあちゃん) Kinue Harada-san, minha avó paterna. Infelizmente, pouca coisa consegui descobrir a respeito dela. Nascida em 1907, casou-se com ojii-chan (おじいちゃん) Kunimatsu em 1926, entre 18 e 19 anos.

A família Harada, da qual Obaatchan pertence, vivia na China, onde eram comerciantes. Na década de 1920, parte da China era dominada pelos japoneses. Muitos deles receberam incentivos para mudarem-se para China, a fim de consolidar a invasão. O casal Harada mudou-se para lá, e ali prosperaram como comerciantes. Existe a hipótese de que Kinue teria nascido na China, e não no Japão. Conta-se que quando era criança, era levada para escola carregada nas costas de um empregado chinês. Provavelmente mais tarde, já crescida, ia carregada em liteira (cadeira portátil) ou em riquixá. O chefe da família teria perdido muito dinheiro em carteado (jogo); falido e provavelmente endividado, resolveu mudar-se para o Brasil.

Riquixá chines antigo
Um riquixá na China antiga. Obaa-chan deve ter andado num desses.

Kunimatsu solteiro

Havia no Brasil muitos rapazes imigrantes solteiros. O casamento “inter-racial”, com “gaijins” ainda era tabu, e em determinadas épocas ou locais havia falta de moças japonesas para se casarem com os rapazes. Kunimatsu havia adquirido terras no sul de São Paulo, em Ribeirão Grande, tinha algum dinheiro guardado e desejava casar-se. Como em Ribeirão Grande não existia colonia japonesa ainda, o grupo que para lá ia se mudar seriam os pioneiros. Portanto, se Kunimatsu se mudasse para lá solteiro, encontraria dificuldades enormes para se casar com uma japonesa.  Resolveu, ou então alguem alertou sobre este detalhe, casar-se antes de migrar para as novas terras.

Recorreu então a um nakodo (casamenteiro, pessoa que promove casamentos arranjados). Essa pessoa, era (e ainda é nos dias de hoje) sempre um senhor respeitável, em geral um dos mais velhos da colônia japonesa. Era ele a quem recorriam os japoneses e japonesas solteiras que queriam arranjar noivo/noiva. Porem o mais comum era os pais solicitarem ao casamenteiro noivo/noiva para seus filhos.

Entretanto, não havia moças solteiras em idade de se casar na região, e por isso o casamenteiro sugeriu a Kunimatsu que fossem até ao porto de Santos esperar a chegada de navios trazendo imigrantes ao Brasil. Outros dois rapazes solteiros, também desejando encontrar noiva, juntou-se a eles. Foram então os quatro ao porto de Santos, e ali ficaram a espera da chegada de navios.

Chegou então o Kanagawa Maru, em 06/10/1925, e desceu dele a família Harada. Kunimatsu viu então uma moça bonita, pequena e de traços delicados. Deve, entre tímido e discreto, ter apontado o dedo e dito ao casamenteiro “...é aquela”. Foi o primeiro encontro do casal Kunimatsu e Kinue. Porem os dois outros rapazes também tiveram interesse pela moça. O casamenteiro, decerto com muito talento, dirigiu-se ao chefe da família, apresentou os rapazes e mencionou o interesse deles em se casar com a filha. Consultada, a moça quis conhecer melhor os rapazes. O casamenteiro descreveu todos, certamente destacando suas qualidades e elogiando todos. Porém a jovem Kinue quis saber qual deles era o mais trabalhador, ao que o casamenteiro respondeu que Kunimatsu era muito trabalhador e já tinha até adquirido um bom lote de terras no sul de São Paulo.

Kinue pediu tempo para pensar, e seguiu com a família para a fazenda que fora destinada à família. Alguns meses depois o casamenteiro visitou a família, e perguntou se a jovem Kinue já tinha se decidido sobre os rapazes. Escolheu então Kunimatsu, por que viu nele melhores perspectivas para o seu futuro. Era trabalhador e já proprietário de terras. E assim consumou-se o casamento, e graças a essa história estou aqui escrevendo ela, pois sou descendente direto dela.

Quem contou essa interessante história foi a minha tia Toshiko, e há fortes indícios de que ela seja verdadeira. Pode-se dizer que não há nada de extraordinário nessa história, pois naquela época, mesmo no Japão, quase todos os casamentos eram arranjados.

Cronologia 

Provavelmente o casamento seguiu esta cronologia :

06/10/1925 – Kinue chega ao Brasil, e já ao desembarcar é assediado pelo casamenteiro, que apresenta-lhe Kunimatsu, seu futuro marido.

Entre 11/1925 a 12/1925 – o casamenteiro entra em contato com a família Harada, e Kinue decide casar-se com Kunimatsu;

Em 1926 – os dois se casam

Em 02/1927 – Kinue engravida do primeiro filho, um ano e 4 meses depois de seu desembarque no Brasil. 

Em 09/11/1927 – nasce o primeiro filho do casal, Yukinori.

Kunimatsu e Kinue Hagi
Kunimatsu Hagy e Kinue (Harada) Hagy.

Kinue Hagi - sem data
Kinue Hagy, sem data

Toda família que se preza tem seus chiliques, picuinhas e brigas. Conta-se que Kunimatsu era muito severo e temperamental. Por alguma razão e em uma data que desconhecemos, após o casamento com Kinue, brigou com a famíla dela. Romperam as relações, e por isso meus tios não tiveram muito contato com os primos (filhos dos irmãos da obaa-chan Kinue). Somente após a morte de Kunimatsu é que os Hagis e os Haradas voltaram a se reunir.

A chegada do Kanagawa Maru

Com alguma dificuldade (estava pesquisando o sobrenome “Harada”) descobri os registros de desembarque da família “Harata”, grafado erradamente.  Os Haradas desembarcaram do Kanagawa Maru, no porto de Santos,  em 06/10/1925.

Lista Kanagawa Maru com detalhe

A família, como pode ser visto acima, era composto do casal e 7 filhos :

Kanjiro – chefe da familia, 41 anos, meu bisavô;
Sumi    – esposa de Kanjiro, 40 anos, minha bisavó;
Kinue   – filha mais velha, 19 anos, minha avó;
Kaoru  - filho mais velho, 16 anos;
Shigueru – filho, 13 anos;
Mamoru – filho, 10 anos;
Sakae – filha, 6 anos;
Sakye – filha, 2 anos; e
Shizumaru – filho, 2 anos (gêmeo de Sakye)

Lista de passageiros primeira pagina-detalhe
Detalhe da primeira página da Lista Geral de Passageiros, com a data da chegada em Santos, 06/10/1925, no canto superior direito.

Os Haradas na Hospedaria dos Imigrantes

No mesmo dia do desembarque, a família Harada seguiu para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo. É muito provavel que o casamenteiro e os pretendentes seguiram juntos com a familia, a fim de estreitar os laços, e se conhecerem melhor. Abaixo, o registro da entrada da família na hospedaria.

Livro Hospedaria - pagina Haradas

Livro Hospedaria-detalhe data
Registro de entrada de imigrantes na Hospedaria, pagina com a data do registro dos Haradas, 06/10/2015.

Familia Harada 12
Família Harada, sem data. Acervo de Sadako Tsuda Hagy.

 

Familia Harada

Quero aqui deixar meus agradecimentos às tias Sadako, Tomoko e Toshiko pela informações e fotos; sem elas não seria possivel este post.

Pequena curiosidade :

Kanagawa Maru-nota

Em 07 de outubro de 1925, um dia após a chegada do Kanagawa Maru trazendo a família Harada, o jornal “O Globo” publicava essa pequena notícia.

 

 

 

Um comentário:

  1. Oi Claudio, boa tarde! Você é parente da Tomoko Hagy? A artista visual. Eu estou tentando identificar uma obra de uma coleção e acho que ela é a autora. Caso você a conheça, poderia me passar um email ou telefone. Grata, Mariana Trevas (marianatrevas@uol.com.br).

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