domingo, 6 de outubro de 2013

Introdução

 

A história do imigrante Kunimatsu Hagy (*1901 +1958)

24 de outubro de 1913. Nesta data, há mais de 100 anos, desembarcava no porto de Santos o menino Kunimatsu Hajii, 12 anos. Veio sozinho, sem companhia dos pais ou outros familiares, dando início à família Hagy/Hagi no Brasil.

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Kunimatsu Hagi, sem data.
Foto cedida por Mário Takeo Nagano.

Após algumas pesquisas na internet e conversas com minhas tias,  acabei descobrindo alguns passos desse imigrante, meu avô paterno. Decidi então fazer este blog, compartilhando o que descobri com os amigos, parentes e demais interessados.

Agradeço à minha tia, Toshiko Nagano, e à família Marubayashi, em especial à Mirian Marubayashi Hidalgo, pelas valiosas colaborações na elaboração deste blog.

Claudio M Hagi - (Neto de Kunimatsu Hajii)

cmh@netpar.com.br

Curitiba – Pr.

Kunimatsu e  Kinue Hagi-LR

Ojiitchan Kunimatsu Hajii, aos 29-30 anos, com o ichinan (primogênito) Yukinori no colo; Obaatchan Kinue Hagy com o jinan (segundo filho) no colo, Hagemo Hagi, meu pai. Foto de 1930-31. Foto gentilmente cedida por Toshiko Nagano, tambem filha do casal.

Nota - na época, fotografia era coisa muito rara, de forma que os fotografados vestiam suas melhores roupas ao serem fotografados. Meu avô vestiu até gravata, mas o fotógrafo, que teve o cuidado de colocar minha avó na cadeira, deixou meu avô de cócoras. Não era fotógrafo dos bons, cortou a ponta dos pés da minha avõ e deixou espaço sobrando sobre a cabeça, num clássico caso de mal enquadramento. Curiosamente, este erro de enquadramento foi muito valioso para mim, pois ajudou a identificar a casa. Mas, agradeço profundamente a este fotógrafo  desconhecido pelo trabalho, graças a ele tenho essa valiosa imagem.

O Japão no final do século XIX

O Japão no final do século XIX.

A situação beligerante do Jação no final do século XIX e inicio do século XX foi a principal causa da existencia dos Hagis no Brasil ….

No final do século XIX o Japão era uma nação prospera e sua maior atividade econômica era a industria (na época, manufatureira) e o comércio. O país exportava em grandes quantidades aos países próximos, principalmente China.

Oligarcas japoneses sentiram a necessidade de um domínio maior sobre a Ásia Oriental. Os ingleses mantinham domínio sobre suas colônias, tinham forte influencia sobre os indianos; os franceses e portugueses também tinham suas colônias; a Holanda, Itália, Estados Unidos, Bélgica e outros países tinham forte domínio e influencia pelo mundo afora. Por que os japoneses não poderiam agir da mesma maneira ? Pensaram então que poderiam tratar a China e Coreia da mesma maneira que os países do ocidente tratavam suas colônias e outros países. Surgiu então um forte sentimento de se formar um império sob o domínio japonês.

Outro motivo fez com que o Japão iniciasse seu imperialismo: a arrogância. Os japoneses consideravam o Japão a “terra preferida dos Deuses”, “a terra do sol nascente”, e que o imperador japonês seria um enviado dos Deuses, um personagem adorado e mistificado. Em 1868, o Japão anunciou aos Coreanos que o imperador japonês seria superior ao imperador coreano, devido a sua natureza sagrada. Os coreanos não reconheceram o enunciado, e para piorar a situação fizeram muitas piadas a respeito. O povo japonês ficou profundamente indignado pela “falta de respeito”, e iniciou-se então um estado de beligerância.

Finalmente, em 1870 o Japão iniciou sua invasão militar à Coreia, e ali se estabeleceu comercial e militarmente em 1876. Os japoneses passaram a controlar boa parte da vida dos coreanos: vários japoneses foram enviados (ou foram por livre vontade) para a nova “colônia”, e ali se estabeleceram. Dominaram à força o comércio e as finanças coreanas, e também praticavam extrativismo (minérios e ouro). Apesar disso, a Coreia ainda mantinha seu rei e era ainda uma nação “livre”, nos mesmos moldes em que a India e Africa do Sul não eram colônias inglesas, mas eram política, comercial e militarmente dominados pelos ingleses.

Em 1894 ocorreram violentas manifestações populares, anti-niponicas na Coreia. O rei da Coreia aproveitou a ocasião para solicitar apoio da China, a fim de acabar com a convulsão social. Era a oportunidade da Coreia para atrair os chineses em seu território, e quem sabe na sequencia, contar com apoio deles para expulsar os japoneses. A China enviou tropas para conter a população, mas com segundas intenções : o país também tinha interesse em dominar a Coreia.

Os japoneses consideraram a intervenção chinesa uma afronta, afinal tinham enviado tropas no “quintal” deles. O povo japonês clamava por retirada imediata dos chineses. Foi o argumento que os japoneses esperavam, o argumento para declarar guerra à China. No mesmo ano, 1894, o Japão invade o nordeste da China. Militarmente superior, rapidamente domina toda a região.

O Japão continuou com a sua expansão imperialista, dominando todo o pacífico sul, como pode ser visto no mapa :

Imperio japones

O império japonês perdurou até o final da Segunda Guerra.

Ocupação Japonesa na Coreia

 

Finalmente, em 1910, o Japão declara a anexação da Coreia ao Japão, deixando a Coreia de existir como país, passando a ser território japonês. Os japoneses passaram então a “niponisar” o território, fechando escolas coreanas, proibindo publicações em idioma coreano; obrigando os coreanos a aprenderem o idioma japonês, a batizarem o seus filhos com nomes japoneses, confiscando propriedades, etc.

A ocupação sino-coreana foi um triste capítulo da historia do Japão. Os japoneses cometeram violências extremas, mandando os homens aos campos de trabalhos forçados, promovendo fuzilamentos, e pior ainda, fazendo milhares de mulheres coreanas e chinesas de escravas sexuais. A violencia contras essas mulheres era tolerada, e até de certa forma oficializada. Elas eram enviadas aos quartéis japoneses com o horrendo título de “mulheres de conforto”.

Apesar da ocupação ter se encerrado há mais de 60 anos (1945), os coreanos ainda guardam rancores. Em 2006, por exemplo, o governo coreano instituiu uma comissão para descobrir quais coreanos haviam colaborado com os japoneses. Em 2010, após termino dos trabalhos da comissão, 170 descendentes de colaboradores tiveram alguns de seus bens confiscados.

No dia 10 de agosto de 2010, por ocasião do centenário da anexação, o primeiro-ministro japonês Naoto Kan, pediu desculpas formais à Coreia do Sul pela ocupação e lamentou o sofrimento infligido ao povo coreano. O presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, afirmou então que as desculpas "representam um passo adiante", entretanto deixou claro que "ainda restam questões que devem ser resolvidas".

Esses episódios deixam bem claro que, quando o assunto é entre homens, ficam mágoas, odios, mas o tempo acaba amenizando tudo. Mas quando ocorre violencia contra as mulheres, aí a coisa muda de figura, parece que o perdão não acontece nunca.

Links sobre o assunto :

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft3003200104.htm

http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?id=1286367&tit=Presidente-sul-coreano-pede-que-Japao-se-desculpe-pela-colonizacao

http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/ministro-sul-coreano-cancela-ida-ao-japao-devido-a-santuario

Envio de soldados aos territórios ocupados.

 

Evidente, para manter a ocupação colonial na China e Coreia, o Japão teve que enviar tropas ao local. E, como já foi citado, os soldados japoneses não tinham um bom comportamento, cometendo atrocidades contra os povos dominados.

Foi neste cenário que cresceu Kunimatsu, nascido em 1901. Ao completar 12 anos, estava quase na idade para se apresentar ao serviço militar japonês. Seria então enviado à Coreia ou China. Os pais de Kunimatsu, já haviam perdido três filhos nesta ocupação, uma tragédia familiar gigantesca. É bastante provável que, temendo que o quarto filho acabasse sendo também enviado a Coreia, cogitarem em envia-lo ao Brasil. Kunimatsu seria então um fugitivo de guerra, mas não por vontade própria, e sim por vontade dos pais.

Porem conta-se também que os pais de Kunimatsu não tinham condições de cria-lo, estariam em grandes dificuldades, estavam passando fome (a falta de alimentos era comum em vários países, na época) e optaram em envia-lo ao Brasil; a propaganda enganosa do governo dizia que aqui havia tanta terra e comida que bastava colher; que os frutos nasciam nas florestas, etc.

Entretanto, eu acho mais provável ter ocorrido a primeira hipótese (a da fuga da guerra), pois os pais de Kunimatsu pediram pela sua volta aos 35 anos de idade. Não teriam feito este pedido caso prevalecesse a segunda hipótese (a da fome).

Ao completar 35 anos, o cidadão japonês estava livre das obrigações militares. Conta Kunimatsu que os pais pediram a ele que voltasse ao Japão, tão logo completasse essa idade, aqui no Brasil. Assim, poderia retornar junto aos pais, passado o perigo de ser enviado aos territórios ocupados.

Segundo ele próprio, um irmão mais velho estaria trabalhando no Peru, como imigrante, e o plano inicial era envia-lo a este país, para se juntar ao. Irmão. Entretanto, o Peru fechou as portas para os imigrantes, restando a opção do Brasil.

O pequeno Kunimatsu embarca rumo ao Brasil

 

A exigência maior para imigração ao Brasil era de que somente grupos familiares de pelo menos 3 pessoas (marido, mulher; filho legítimo ou adotivo; irmão ou sobrinho) poderiam imigrar-se. Portanto, Kunimatsu-san não poderia embarcar sozinho, sem os pais; estes não desejavam vir ao Brasil.

Era comum então que se formassem “famílias” somente com o intuito de satisfazer essa exigência. Assim, bem ao estilo “jeitinho brasileiro”, eram realizados casamentos arranjados, e também filhos eram “adotados”.

Um casal vizinho de Kunimatsu, chamados de Ensaku e Tomeno Hajii,  pretendiam vir ao Brasil, e como não tinham filho, estavam impedidos de vir.  Foi feito então o arranjo : : “adotaram” Kunimatsu, e assim formou-se o grupo familiar minimo exigido para emigrar-se.

Tomeno era uma mulher já com 28 anos, casada,  e ainda não tinha filhos, o que não era comum na época. Há a possibilidade do casal ser impossibilitado de ter filho biológico, um dos dois era estéril. É por isso que não tiveram filhos aqui no Brasil, consequentemente a  geração do meu pai não teve tios nem primos.  

E foi então nesta condição, de “filho adotivo”. que Kunimatsu, aos 12 anos,  em 28/08/1913, embarcou no navio Teikoku Maru com destino ao Brasil, desembarcando no porto de Santos em 24 de outubro de 1913.

partida_de_Kobe 1930 MHIJPartida de um navio de imigrantes, em Kobe, Japão, 1930 . Fonte : Museu da Historia da Imigração Japonesa.

Os  imigrantes “adotivos”

Era pratica muito comum fazer adoção arranjada somente para fins de imigração. No inicio da corrente migratória, até 1915-16, 20% dos imigrantes eram “adotivos”, rapazes ou moças solteiras, que vinham sozinhos para o Brasil. As vezes, vinham encontrar demais familiares que já estavam aqui. 

A “casta” dos adotivos sofreu muito, por que ao chegar no Brasil, o casal que “adotou” poderia simplesmente abandonar o adotado, deixando-o completamente sozinho. Por acasião dos casamentos arranjados (myai), os “adotivos” eram preteridos, pois as familias das pretendentes procuravam candidatos entre os rapazes em “situação familiar normal”, e desconfiavam dos “adotivos”, pois não sabiam quem eram, de qual familia na verdade pertenciam. E também pesava o fato do adotivo não ter muito compromisso com os “padastros”, e vice-versa. Por fim, os pais das futuras noivas não queriam que suas filhas se casassem e tivessem sogro e nora desconhecidos.

Há registros de que os adotivos poderiam ter sofrido bullying devido a sua condição.

Por tudo isso, há indicios de que a prática de “adoção arranjada” foi proibida no Japão a partir de 1916, após  este ano era raro encontrar registro de embarque de “adotivo”.

O navio Teikoku Maru

Teikoku Maru

O navio foi construido pelo estaleiro ingles Alexander Stephen & Sons Glasgow, sob encomenda da empresa de navegação The Peninsular and Oriental Steam Navigation. Era um vapor misto, de transporte de cargas e passageiros. Ideal, portando para imigrantes.

Lançado ao mar em 1894, com o nome de “Mazagon”.

Teikoku Maru - MHIJB-SP

Em 1907 foi vendido para a empresa British India Steam Navigation Company Ltd.; em 1913 revendido para Minami Manshu Kabushiki Kaisha, que o rebatizou como “Teikoku Maru”. Neste mesmo ano, realizou a viagem ao Brasil, trazendo o imingrante Kunimatsu Hajii.

Em 1918, o navio foi novamente revendido para o Governo Frances, que o usou para fins militares e o rebatizou como “Saint Nicholas”. Em 18/12/1922 encalhou em Benodet, França. No ano seguinte, foi desmontado na cidade de Brest, próximo ao local do encalhe, e vendido como sucata.

Teikoku Maru foi o sétimo navio de imigrantes a chegar no Brasil.

Primeiros navios a chegar e número de imigrantes :

1908 – Kasato Maru 780

1910 – Ryojun Maru 960

1912 – Kanagawa Maru 1.412

1912 – Itsukushima Maru 1.432

1913 – Daí-no-Unkai Maru 1.506

1913 –Wakasa Maru 1.588

1913 – Teikoku Maru 1.913

1913 – Wasaka Maru 1.808

Esta é a última pagina da lista de passageiros da viagem de 1913 :

Nome do Navio Teikoku-primeira pagina MR

Detalhe da última pagina, com nome do navio e data da partida (28/08/1913) :

Nome do Navio Teikoku-primeira pagina0001-detalhe

A lista de passageiros do Teikoku Maru

 

Há alguns meses, precisei de uma cópia da minha certidão de nascimento. Fui nos arquivos da empresa, e lá estava ela. Na certidão, li : “Avô paterno – Kunimatsu Hagi ”. Levei um susto, desconhecia esse nome; fiquei até com vergonha de mim mesmo. Quem foi essa pessoa ? Quando e como chegou ao Brasil ? Resolvi pesquisar, e acabei encontrando Kunimatsu Hajii na lista de passageiros do Teikoku Maru.

Esta é a primeira pagina da lista de passageiros, onde consta a data da chegada, 24/10/1913:

Lista geral teikoko Pagina 01(Clique sobre a imagem para aumentar)

Kunimatsu era o passageiro número 467 da lista, na página 12 :

Lista de passageiros pagina 12-MR1

Fonte : www.memorialdoimigrante.org.br

Detalhe desta página :

Lista de passageiros pagina 12-detalhe

Para quem quiser conferir a lista toda :

Lista-de-passageiros-Teikoku-Maru

A localização foi facilitada devido ao fato de que  “Kunimatsu” não é um nome comum. É um nome raro, com pouquíssimos homonimos (xarás).

Detalhe importante :  na lista aparece a idade de Kunimatsu, 13 anos. Porem é certo que ele nasceu em 1901, portanto teria 12 anos na verdade. A explicação é que na época era regra adicionar +1 ano à idade cronológica. A explicação era de que a pessoa nascia na concepção. Portanto, quando a mãe dava luz, a criança já estava na verdade com 1 ano.  Essa pratica, de adicionar 1 ano à idade real, não existe mais nos dias de hoje.